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Muito se fala sobre o SUS e a gestão de saúde pública no Brasil. Há todo o tipo de argumento. Se algumas pessoas falam que faltam recursos, outros insistem que se gasta demais. O Entendimento geral normalmente flutua do negativo ao moderadamente negativo, algo sempre reforçado em campanhas políticas e por notícias na imprensa.

Mas será? Será que estamos tão mal? O intuito desse artigo é trazer alguns dados para contextualizar esse tipo de afirmações, comprovando ou refutando algumas ideias e, dessa forma, entender afinal se o SUS é bom, se vale a pena tê-lo.

A saúde do Brasil é boa? Funciona?

A primeira afirmação vem colocar luz na afirmação frequente de que a saúde do Brasil é um caos total e irreversível. Ao meu ver, isso ocorre porque comparamos normalmente com países ricos e de alto IDH. Vemos em filmes e viagens como é a saúde em países ricos e desejamos aquilo.

O fato é que no geral, o Brasil não se sai mal na comparação com os países mais populosos do mundo. Poderia estar melhor, com certeza, mas poderia estar pior também.

Evidentemente, como usuários do SUS, temos muita propriedade para apontar defeitos e problemas graves. Afinal, conhecemos. Amigos e parentes contam histórias ruins, vemos no noticiário problemas, a saúde é sempre tema do debate público.

Sofremos então do viés de exposição. Achamos que algo é ruim, porque não é perfeito. E, claro, sistema nenhum será perfeito.

Lista dos países mais populosos com expectativa média

  1. China – 76 anos
  2. Índia – 69 anos
  3. Estados Unidos – 78 anos
  4. Indonésia – 71 anos
  5. Paquistão – 67 anos
  6. Brasil – 76 anos
  7. Nigéria – 54 anos
  8. Bangladesh – 72 anos
  9. Rússia – 72 anos
  10. México – 76 anos

Como se vê, o resultado do sistema de saúde brasileiro é superior à média dos top 10 países mais populosos. Ela empata com China e México, ficando um pouco atrás dos EUA. É fantástico? Não, mas também não chega a ser uma total catástrofe.

Brasil gasta muito em saúde e tem resultado incompatível

Uma crítica frequente é que o Brasil gasta muito com saúde para um resultado não tão bom. Alguns dizem que é culpa da corrupção, outros da ação do estado. De qualquer forma, vale a pena ver se é verdade.

Gastos em saúde como % do PIB dos 10 países mais populosos (2018, OMS)

Para esta análise, usamos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano de 2018. Incluímos os investimentos médios em saúde (incluindo gastos públicos e privados) nos 10 países mais populosos do mundo e os colocamos como porcentagem do PIB:

  1. China – 5,0%
  2. Índia – 3,7%
  3. Estados Unidos – 17,0%
  4. Indonésia – 3,0%
  5. Paquistão – 2,6%
  6. Brasil – 9,2%
  7. Nigéria – 3,7%
  8. Bangladesh – 2,5%
  9. Rússia – 5,3%
  10. México – 6,3%

De acordo com os dados, o brasileiro gasta 46% mais do que os seus pares no México e 86% mais que na China para o mesmo resultado em saúde. Por outro lado, fica evidente que os Estados Unidos gastam muitíssimo mais para um resultado só um pouquinho melhor.

E como fica o gasto brasileiro se comparado com os países mais desenvolvidos do mundo?

Gastos em saúde como % do PIB dos 10 países com maior IDH (2018, OMS)

  1. Noruega – 8,7% do PIB
  2. Suíça – 12,0% do PIB
  3. Irlanda – 7,2% do PIB
  4. Alemanha – 11,6% do PIB
  5. Hong Kong – 5,8% do PIB
  6. Austrália – 9,3% do PIB
  7. Islândia – 9,1% do PIB
  8. Suécia – 10,6% do PIB
  9. Singapura – 4,9% do PIB
  10. Holanda – 10,2% do PIB

Pela lista, nota-se que o gasto brasileiro é similar ao investido nos países mais ricos. Tem alguns mais baratos, outros mais caros. Todos estes apresentam uma expectativa de vida média maior que a brasileira, o que é explicado por inúmeros fatores e não apenas o investimento médio em saúde.

Podemos correlacionar investimento em saúde com expectativa de vida média?

Esta é uma questão importante do ponto de vista do artigo. Faz sentido essa correlação? Dado que há vários fatores influenciando a expectativa de vida média, inclusive crime e acesso a saneamento (por exemplo), é totalmente errado correlacionar apenas o investimento em saúde com a expectativa de vida.

Ademais, os resultados de expectativa de vida média atuais são fruto de políticas executadas ao longo de muitas décadas. Uma forma de comparar é usar o indicador de satisfação média do usuário com o sistema de saúde.

Por exemplo, um estudo realizado na Argentina em 2018 encontrou que cerca de 64% dos pacientes estavam satisfeitos com o atendimento médico geral, enquanto um estudo realizado no Brasil em 2019 mostrou que cerca de 72% dos pacientes avaliaram positivamente a qualidade do atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas 72% é bom? Bem, vamos comparar com outros países.

Pesquisa de satisfação do paciente da Commonwealth Fund (2019)

  1. Países Baixos – 76,9%
  2. Suíça – 72,5%
  3. Noruega – 69,3%
  4. Nova Zelândia – 65,3%
  5. Reino Unido – 63,4%
  6. Suécia – 63,3%
  7. Austrália – 61,4%
  8. Canadá – 59,9%
  9. Dinamarca – 59,5%
  10. França – 55,9%
  11. Estados Unidos – 52,5%

Dado que há prováveis diferenças na metodologia de pesquisa, não é correto dizer que o paciente brasileiro do SUS é melhor atendido que os pacientes do Reino Unido, por exemplo. Por outro lado fica claro que o SUS está atendendo às expectativas de boa parte da população.

Mas então, qual é o problema do SUS? Por que há tanta reclamação?

Para responder isso, vale a pena ver como funcionam os melhores sistemas de saúde do mundo.

  • Sistema de saúde da França: frequentemente citado como um dos melhores sistemas de saúde do mundo, o sistema de saúde francês é universal, gratuito e oferece uma ampla gama de serviços de saúde. O sistema é financiado por meio de contribuições sociais e impostos, e os pacientes podem escolher seus médicos e hospitais.
  • Sistema de saúde da Suíça: o sistema de saúde suíço é altamente descentralizado e baseado em seguros de saúde obrigatórios. Os pacientes têm acesso a uma ampla gama de serviços de saúde e podem escolher seus médicos e hospitais. A Suíça tem um dos maiores gastos per capita em saúde do mundo e é frequentemente citada como um exemplo de acesso e qualidade.
  • Sistema de saúde do Canadá: o sistema de saúde canadense é público e universal, com acesso gratuito a uma ampla gama de serviços de saúde. O sistema é financiado por meio de impostos e oferece cobertura abrangente a todos os residentes do país. Embora tenha enfrentado desafios com listas de espera para alguns procedimentos e especialidades, o sistema de saúde canadense é frequentemente citado como um exemplo de acesso universal à saúde.
  • Sistema de saúde da Noruega: o sistema de saúde norueguês é público e universal, com acesso gratuito a uma ampla gama de serviços de saúde. O sistema é financiado por meio de impostos e oferece cobertura abrangente a todos os residentes do país. A Noruega tem um dos maiores gastos per capita em saúde do mundo e é frequentemente citada como um exemplo de acesso e qualidade em saúde.
  • Sistema de saúde do Reino Unido: o sistema de saúde britânico, conhecido como NHS (National Health Service), é público e oferece acesso gratuito a uma ampla gama de serviços de saúde. O sistema é financiado por meio de impostos e oferece cobertura abrangente a todos os residentes do país. Embora tenha enfrentado desafios com listas de espera e falta de recursos, o NHS é frequentemente citado como um exemplo de sistema de saúde universal e gratuito.
  • Sistema de saúde de Singapura: o sistema de saúde de Singapura é altamente eficiente e oferece acesso universal a uma ampla gama de serviços de saúde. O sistema é baseado em um modelo de co-pagamento, em que os pacientes pagam uma parte do custo dos serviços de saúde, e é frequentemente citado como um exemplo de eficiência em saúde.

O que há de comum entre os melhores sistemas de saúde?

Nesta lista, percebe-se que os sistemas costumam ter acesso universal e totalmente pago por impostos ou com coparticipação. Alguns porém são importantes.

Embora o percentual do PIB investido seja similar ao brasileiro, é preciso lembrar que o PIB per capita desses países é bem superior ao do Brasil. Dessa forma, o investimento per capita é naturalmente maior.

E há evidentes questões de gestão. Como comparar um sistema de saúde de um país pequeno como Cingapura com o Brasil e seus 8 milhões de km2? Não dá. É tolice.

Afinal, qual o problema do SUS?

Listamos abaixo as reclamações mais frequentes dos usuários do SUS

  1. Demora no atendimento: muitos pacientes relatam que têm que esperar por horas para serem atendidos em consultas médicas ou para realizarem exames e procedimentos.
  2. Falta de acesso a serviços: muitos pacientes têm dificuldade em conseguir consultas com especialistas ou acesso a exames e procedimentos médicos, especialmente em áreas remotas ou com baixa infraestrutura de saúde.
  3. Falta de infraestrutura: muitos pacientes relatam que as instalações de saúde são inadequadas, com falta de equipamentos e suprimentos médicos, e que as condições de higiene são insuficientes.
  4. Falta de medicamentos: muitos pacientes relatam dificuldades em conseguir medicamentos prescritos, seja por falta de estoque nas farmácias públicas ou por falta de recursos financeiros para comprar medicamentos nas farmácias privadas.
  5. Atendimento médico inadequado: muitos pacientes relatam que os profissionais de saúde não estão disponíveis para atendê-los ou não prestam atendimento de qualidade, com falta de informação sobre o diagnóstico e o tratamento, além de condutas inadequadas.
  6. Falta de informação: muitos pacientes relatam que não recebem informações claras sobre o diagnóstico, o tratamento e as medidas de prevenção, além de terem dificuldade em entender as orientações médicas.

Parece claro que há dois tipos de reclamações. Sempre haverá gente esperando para ser atendido, dado que sistema nenhum é capaz de aguentar a demanda em momentos de pico. E o pico pode ser uma epidemia local, um surto de gripe na empresa ou mesmo uma sexta-feira com mais acidentes de trânsito que o normal. Ou seja, é corriqueiro que eventualmente haverá problemas de atendimento. Sistema nenhum aguenta um pico súbito de demanda.

Outro ponto das reclamações parece ser oriundo de má gestão. Como falta de estrutura e de médicos. A estrutura do SUS é gerenciada em conjunto por municípios, estados e federação. Portanto é evidente que problemas acontecem.

Como é separada a gestão do SUS?

  1. Gestão federal: é responsável pela formulação e implementação de políticas nacionais de saúde, pela coordenação do SUS em todo o país e pelo repasse de recursos financeiros para estados e municípios. O Ministério da Saúde é o órgão responsável pela gestão federal do SUS.
  2. Gestão estadual: é responsável pela organização e gestão do SUS no âmbito do estado, incluindo a coordenação das ações e serviços de saúde, a definição de políticas e diretrizes regionais e o apoio técnico e financeiro aos municípios. As secretarias estaduais de saúde são responsáveis pela gestão estadual do SUS.
  3. Gestão municipal: é responsável pela implementação das políticas e diretrizes do SUS no município, incluindo a gestão dos serviços de saúde, a organização da rede de atenção à saúde, o planejamento e execução de ações de promoção, prevenção, diagnóstico e tratamento, e a vigilância sanitária e epidemiológica. As secretarias municipais de saúde são responsáveis pela gestão municipal do SUS.

Alguns municípios fazem gestão excelente. Outros caótica. Alguns estados cuidam bem de seus hospitais, outros não. E assim vai. A questão é que um país com mais de 5 mil municípios sempre terá algumas cidades com uma gestão criminosamente irresponsável, ao passo que outras cidades serão exemplo de atendimento.

Conclusão: vale a pena ter o SUS?

Muito se fala do SUS ser caro, difícil de manter e insustentável. Para entender isso, listamos os 10 maiores países sem um sistema de saúde integrado, tipo o SUS. Pela lista, percebe-se que apenas países mais pobres não costumam ter nenhum sistema. E há evidente correlação entre pobreza e baixa expectativa de vida.

Lista de maiores países sem sistema de saúde

  1. Indonésia Expectativa de vida: 71 anos PIB per capita: US$ 4.245 (em 2021)
  2. Sudão Expectativa de vida: 65 anos PIB per capita: US$ 2.262 (em 2021)
  3. Líbia Expectativa de vida: 75 anos PIB per capita: US$ 6.956 (em 2021)
  4. Irã Expectativa de vida: 75 anos PIB per capita: US$ 6.686 (em 2021)
  5. Mongólia Expectativa de vida: 69 anos PIB per capita: US$ 4.290 (em 2021)
  6. Chade Expectativa de vida: 54 anos PIB per capita: US$ 703 (em 2021)
  7. Níger Expectativa de vida: 62 anos PIB per capita: US$ 584 (em 2021)
  8. Angola Expectativa de vida: 61 anos PIB per capita: US$ 2.963 (em 2021)
  9. Mali Expectativa de vida: 59 anos PIB per capita: US$ 704 (em 2021)
  10. Zâmbia Expectativa de vida: 65 anos PIB per capita: US$ 1.657 (em 2021)

Destaco Líbia e Irã (em negrito), que possuem PIB per capita vagamente similar ao brasileiro e uma expectativa média de vida também similar.

Dado tudo o que foi falado aqui, é possível afirmar que vale a pena ter o SUS, mas com ressalvas. O sistema deveria ser mais barato relativamente ao PIB, dado que outros países populosos conseguem um resultado similar com menos recursos.

Possivelmente os sistema seria mais fácil e barato de gerenciar simplificando e coordenando melhor as partes. É aquele tipo de coisa que é mais fácil falar do que fazer. O estado brasileiro é notoriamente ruim de articulação entre as 3 esferas.

No mesmo município se pode ter um atendimento básico espetacular, porque é a prefeitura que cuida e hospitalar horrível, porque é o estado que cuida. E ambos serem administrados por partidos concorrentes que não querem cooperar.

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